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Opinião e Redes








Objeto de uma construção narrativa de longa duração, as eleições de 2022, repetindo a fórmula da dramaturgia de TV, capturou mais do que a atenção das pessoas, mobilizou também sentimentos de grande profundidade, especialmente as paixões tristes como o medo, a aversão, o nojo, a raiva, o cinismo e o desprezo. Para 2024, por enquanto, seguimos a mesma programação.



Com o consumo assumindo o lugar de elo do pertencimento no ocidente, e com cada indivíduo consumindo sozinho a partir da palma de sua mão, assistimos as relações de fisicalidade se fragmentando enquanto milhares de novos grupos nascem na web organizados por outros tipos de laços e de fronteiras. Passamos, aparentemente por livre escolha, a habitar outras "cidades", a pertencer a outras "sociedades" com visões de mundo peculiares e, não raro, mutuamente excludentes.


Tivemos relações fraturadas de forma violenta, dolorosa e, não raro, definitiva. Essa separação aconteceu desde o chão institucional até as camadas sociológicas mais profundas como a família. Como isso aconteceu?


Embora a maioria de nós admita saber que seus dados pessoais são comercialmente utilizados pelas plataformas, ninguém tem plena consciência da extensão dessa apropriação e dos desdobramentos na vida de cada um.


Os chamados influenciadores são na verdade segmentadores de público enquanto o verdadeiro influenciador permanece invisível.


Confiantes talvez na irrelevância de nosso próprio cotidiano, aderimos aos serviços digitais sem dar qualquer atenção aos termos que envolvem a utilização dessas informações. Sentimos que a culpa disso é da nossa própria negligência, apesar da "experiência" dos "termos de serviços" das plataformas estar desenhada para ser ignorada.


"Andamos" por aí deixando rastros por onde passamos e, principalmente, onde permanecemos. Quando permitimos o acesso e o cruzamento matemático das nossas preferências, estamos revelando intimidades ao mesmo tempo que passamos a contribuir na consolidação de blocos de dados generalizáveis. Entramos em um grupo que passará a ser acossado por aquilo que agrada e conforta.


Entregamos um mapa que indica onde somos vulneráveis e esse mapa é vendido.


Oferecendo "de graça" e em abundância distrações e anestésicos, pulsando medo e euforia, a "rede" pega todo mundo porque ela sabe como. O comportamento compulsivo não é apenas um transtorno emocional, mas a matéria prima de um modelo de negócios extraordinariamente bem arquitetado para receber inputs e vender reações.


Data do século 19 a ideia de alguns jornais de noticiar conteúdos que apelassem às nossas emoções viscerais, de forma a atrair um estado de atenção máxima para obter uma adesão instantânea. Naquele momento isso podia ser o suficiente para impelir a compra daquela unidade de mídia que tornava-se a fonte da verdade, com poucos contraditórios dada a escassez das instâncias produtoras de notícias.


Hoje, com métricas precisas, o processo de captura cognitiva retém essa atenção por muito mais tempo enquanto configura pacotes de dados com características e valor. Esse modelo está para as big techs, assim como a água está para o vapor.


Hoje, com a digitalização da política e da produção da notícia, não temos mais os intervalos de debate público entre um fato e outro. A informação não completa um ciclo, apenas passa num fluxo rápido e incessante. Ali, o trabalho de leitura, assimilação, conferência, reflexão e debate, pressupostos que se relacionam com conceito de "opinião pública", não tem tempo de acontecer.


Ao contrário do que possa parecer, na lógica da "Economia da atenção", "buscar" na internet é colocar-se disponível para ser "encontrado" e envolvido por uma nuvem lisérgica de feedbacks positivos.



 
 
 

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